(…) Helena, a doce Helena. Que olhar triste e pesado se apoderou dela. No mais fundo da sua alma, sabia que aquele momento iria marcá-la para sempre. Mais uma cicatriz, mais um remendo naquela manta de retalhos chamada vida. Trémula, sentiu todo o seu corpo cambalear, numa completa volta vertiginosa. A queda parecia eminente, mas ainda conseguira debruçar-se numa antiga cómoda, situada  entre a escrivaninha e a porta do quarto.

Sentia urgência em sair dali, como se o ar se rarificasse naquele espaço, como se sentisse um peso a afundá-la, a apoderar-se do seu corpo já um pouco inerte. A dor, a tristeza, a mágoa eram assumidamente mais fortes e poderosas, que qualquer vislumbre de combatividade, de qualquer gesto defensivo ou de derradeira tentativa de sobrevivência.

A sua expressão era uma mistura de dor e fraqueza. Pálida, dormente e de olhos baços e tristes, sentia que talvez o choro pudesse ajudá-la a desabafar, a exteriorizar aquela dor dilacerante, que a rasgava e a comprimia num estado imenso de tensão e de desmaio. Mas dos seus olhos, nenhuma lágrima. Era quase como quando se ouve uma música, esperando o refrão, o clímax anunciado pelas notas antecedentes…A explosão enlouquecida e ritmada, o delírio musical orquestrado, o momento auge de uma escalada monumental…Mas o vazio, o silêncio permanecesse, com o seu peso esmagador, oco mas cruel, de uma arrogância perpendicular.

Helena lembrava-se vagamente da última vez em que se sentira feliz, protegida,amada… Dona de um semblante de luz, olhos sorridentes e lábios entreabertos, coração escancarado e esperançoso. Estava nos braços de Luís, à beira rio, numa tarde de horas paradas, que fazia lembrar um quadro de Dali, a Persistência da Memória. A interpretação mais comum da pintura, a qual apresenta muitos relógios derretidos, é a de que ela representa uma rejeição do tempo como uma influência definitiva e determinista. A estranheza do quadro confundia-se agora com a estranheza do momento recordado, de toda aquela situação vivenciada. A memória persistente de Helena, numa tentativa desesperada de a demover daquela quase completa rendição, trazia-lhe um sopro de ar fresco e puro, num momento de pleno desequilíbrio, em que a renda do seu longo vestido preto se rasgava, presa num ornamento pontiagudo e dourado do imponente móvel que lhe servia de amparo. (…)

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